07/06/2010

LOHANA VÍTIMA DA TRANSFOBIA EM AQUIDABÃ/SE

Foto: Adriana Lohanna dos Santos

“... Bueno, lo que les estaba diciendo, que cuesta mucho ser auténtica, señora, y en estas cosas no hay que ser rácana, porque una es más auténtica cuanto más se parece a lo que ha soñado de si misma.” – Todo Sobre Mi Madre, Almodóvar, 1999.

Mais um episódio de transfobia, lamentavelmente em face da nossa querida Adriana Lohanna, perpetrado no último sábado, cinco de junho, na festa do "casamento do matuto", na sua cidade natal, Aquidabã.

Lohanna foi abordada por indivíduo ainda não identificado, que a desrespeitou ao levantar seu vestido e, em seguida, desferiu um soco que fraturou seu maxilar, devendo, em breve, ser submetida a procedimento cirúrgico.

O comandante da guarnição ainda socorreu a vítima conduzindo-a ao hospital local, mas o agressor permaneceu na festa a se divertir. A justificativa era de que não havia delegado na cidade, mas esqueceram que havia plantão na Regional de Propriá.

O fato ocorreu na mesma noite em que centenas de lésbicas, gays, transgêneros e afins se divertiam numa big festa em Aracaju, algo que para qualquer desavisado pareceria que definitivamente o mundo é gay! Contudo, ao receber a triste notícia (também levei um soco, no estômago), ainda naquela madrugada, a ficha caiu e me dei conta que, em verdade, éramos uma boiada, ou melhor, uma boiolada confinada não por cercas, mas por muros altos.

A boiolada dentro do armário! e ai de quem ouse ultrapassar os limites da hipocrisia em Sergipe Del Rey... visibilidade?! continuamos cerceados, aviltados na expressão do nosso afeto, da nossa orientação sexual e identidade de gênero, marginalizados em guetos, e o pior, alienados na nossa ilusória liberdade.

Para quem não a conhece Lohanna é uma guerreira a romper estigmas. Acadêmica do curso de serviço social foi proibida de usar o banheiro feminino em uma universidade privada. Estagiou na Delegacia de Aquidabã. Ajuizou, através do projeto balcão de direitos, numa parceria entre o Centro de Referência, a UNIDAS e a Defensoria Pública, ação com vistas ao reconhecimento do nome social no registro civil. Na audiência de instrução foi barrada em frente ao Fórum por um policial militar que entendia que seus trajes, um vestido longo, colar e brincos, não seriam apropriados à ocasião.

Apesar de todos os constrangimentos, violências sofridas, de todos os percalços, querida Lohanna, você já é vencedora, por conta de sua coragem e luta, notadamente por sua integridade e autenticidade, então me reporto ao ponto alto da película do Almodóvar, "Tudo sobre minha mãe", no monólogo da personagem Agrado: “mais autêntico você é quanto mais parecido com o que sonhou para si”.

Isso nos diferencia de um ser inanimado ou irracional qualquer, a dimensão do humano e a capacidade de nos reinventarmos, desafio que deveria ser assumido por todos nós. Todavia, apesar do SUS contemplar a realização da readequação genital e todas as vitórias alcançadas pelo nosso movimento LGBT, ainda custa caro ser autêntico no nosso país, custa ofensas à dignidade da pessoa humana e vidas covardemente ceifadas.

Ficamos chocados com a iminência da aprovação de projeto de lei na Uganda, que criminaliza a conduta homossexual e prevê a condenação à pena de morte, mas esquecemos que somos os campeões de assassinatos. Um homossexual é morto a cada dois dias no Brasil, tomando por base o relatório anual estatístico do GGB referente ao ano de 2009, e ninguém se importa. O Haiti é aqui. Uganda também é aqui!

Aracaju, 07/06/2010

Mário Leony
Delegado da Polícia Civil – Aracaju/Se


*Leia também Matéria no Jornal da Cidade Net.

Nenhum comentário: